sábado, 10 de janeiro de 2009

A universidade e a formação de profissionais para o século XXI

A universidade e a formação de profissionais para o século XXI
O ensino superior tem figurado no contexto social, e, de modo especial, nos meios de comunicação como tema polêmico e tem motivado uma série de questionamentos e reflexões sobre o papel da universidade na formação de profissionais habilitados a lidar com a complexidade dos desafios que emergem, a cada dia, na sociedade mutante deste novo século.
Quando uma pessoa faz uso de seu livre arbítrio para optar pela profissão que deseja seguir, deposita, no ensino superior, suas maiores esperanças de ir paulatinamente, construindo as habilidades indispensáveis que a tornarão competente para exercer a profissão de sua escolha e alcançar a tão almejada realização profissional.
É de conhecimento geral que o mercado de trabalho vem se mostrando cada vez mais exigente em qualquer área de atuação. Já não basta ter conhecimentos científicos elaborados e saber aplicá-los, de modo comum, do jeito que todo mundo faz. É preciso ir muito além, demonstrar criatividade para, a partir do que é comum, inventar um jeito próprio, diferente e inovar, fugir do que é tradicional, descobrir novos caminhos. E essa é uma aprendizagem que a universidade precisa desafiar seus acadêmicos a construir. Para isso, precisará vencer alguns limites, alargar horizontes e passar do ensino marcadamente teórico, acadêmico, para o ensino e a aprendizagem de conteúdos procedimentais e atitudinais.
Na concepção de Zabala (1999) a aprendizagem desse tipo de conteúdo implica em aprender a fazer, na prática, aquilo que se assimilou da teoria. Ora, bem se sabe que no mercado de trabalho, as organizações que geram empregabilidade procuram por um perfil específico de profissional, que, seguramente, não é aquele que apresenta maior grau de titulação. Mas é aquele que consegue ser capaz de demonstrar o que sabe, mas, em igual grau de importância, mostrar o que sabe fazer com os conhecimentos que construiu e, sobremaneira, o que demonstra ser, nas experiências e vivências que lhe são proporcionadas no ambiente da organização.
Seguindo essa linha de raciocínio, cabe uma indagação: - Como estão sendo trabalhados os conteúdos procedimentais e atitudinais nas nossas universidades? Certamente os conteúdos conceituais estão sendo, deveras, muito bem ensinados e elaborados. Mas isso, somente, não capacita os estudantes a exercerem a profissão escolhida, com chances de serem bem sucedidos.
Demo (1999), ao discorrer sobre os desafios modernos da educação, questiona de forma contundente, o papel da universidade, sobretudo, do professor universitário. Na sua concepção, a universidade não pode se constituir num campus repleto de salas de aula, mas num lugar onde se fomenta a produção própria qualitativa, o “saber-fazer” e não o seguimento de caminhos desvendados e trilhados por outros como mera cópia da produção alheia. Se é da prática que emerge a teoria, é com ela que os estudantes precisam ser desafiados a estabelecer vínculos concretos para, de fato, aprenderem a fazer.
A realidade concreta difere um pouco do que se apresenta na teoria. Ela nos surpreende com seus imprevistos, com suas peculiaridades, já que resulta de um processo vivo, dinâmico e, portanto, imprevisível. Nenhum padrão se adapta nesses contextos. E é por isso que nossos estudantes precisam fazer vivências que lhes permitam descobrir suas potencialidades e seu grau de limitações, podendo, assim, ir aparando arestas, aperfeiçoando métodos, processos, amadurecendo raciocínios, melhorando concepções sobre os padrões valorativos e ir transformando seus comportamentos e atitudes.
Isso é aprender. Demo (1999) sinaliza que educação deve significar, na sua essência, emancipação, ou seja, a possibilidade de se aprender a fazer com autonomia e condena aqueles professores que só socializam o conhecimento, passando informações sobre a matéria, denominando-os de “auleiros”. A crítica de Demo é mais aguda ainda, quando anuncia que: “Quem permanece no mero aprender, não sai da mediocridade, fazendo parte da sucata” (ibidem, p. 131).
O que, de fato o autor nos traz como ponto de reflexão é que a vida acadêmica precisa ultrapassar o âmbito do conhecimento teórico. Além da qualidade formal, técnica, tão igualmente imprescindível, é que nossos acadêmicos aprendam, no exercício da prática, como ser um profissional de excelência na sua área de atuação, preparando-se para lidar com as exigências de uma sociedade em contínuo e irreversível ritmo de mudança.
O aludido autor define a produtividade como a capacidade de pensar e intervir na realidade e alerta para o fato de que a universidade precisa preparar seus estudantes para consolidar essa competência nos espaços que vem surgindo no mundo moderno; ressalta que a formação desses sujeitos que irão atuar na sociedade moderna deve contemplar a “visão e ação sempre renovadas em termos de inovação científica e tecnológica, nas quais, capacidade laboratorial, experimental, é crucial” (1999, p. 132).
Há que se refletir, igualmente, sobre a importância de se trabalhar com os conteúdos atitudinais (normas, valores e atitudes). E não é conteúdo só para a Educação Básica, como se pensa comumente. É conteúdo de aprendizagem da universidade, sim. O processo de amadurecimento e evolução do ser humano não obedece ciclos específicos; ele é permanente, gradativo e acontece por meio da educação. Como formar um bom profissional se não cuidarmos da formação de suas atitudes? Não há como. É fazer trabalho pela metade.
Se a universidade almeja realizar um processo ensino-aprendizagem de relevância para o contexto social onde se insere, precisa pensar formas de capacitar seus educadores a trabalharem conteúdos atitudinais, não importando a área em que atuem. Os estudantes, futuros profissionais, precisam aprender que conviver num ambiente de trabalho implica em respeito a regras, em atitudes de cooperação e não de competição, em disciplinar a vontade para fazer escolhas que, a médio ou longo prazo, lhe trarão retornos satisfatórios; precisam aprender a desenvolver a inteligência emocional através do autoconhecimento, para construírem uma auto-estima saudável, que os ajude a superar seus próprios limites diante de situações-problemas que, inevitavelmente, terão de experimentar.
Para ser educador, é preciso, antes de qualquer coisa, entender de gente, buscar nos estudos da Psicologia os fundamentos para saber lidar com o comportamento humano; pesquisar e descobrir dinâmicas, textos, músicas, filmes e outros tantos meios que servem como ponto de partida para a discussão, reflexão, formação de conceitos e de atitudes em relação a esses conteúdos, tão necessários e tão valorizados na composição de um perfil de profissional para a sociedade do século XXI.
Conforme sugere Oliveira (1997, p. 17) “Devemos analisar as implicações de uma visão global da pessoa humana em seus aspectos racionais, afetivos e emocionais, pois precisamos nos livrar dos paradigmas despersonalizantes e puramente racionalistas pelos quais a pessoa humana não é tratada em sua globalidade, mas aparece como peça de uma engrenagem”.
A discussão sustentada até aqui, pretende servir como uma proposta de reflexão, de análise e, quem sabe, de possíveis planos coletivos e individuais de ação, em âmbito de universidade. Todos precisam chamar, para si, a responsabilidade de contribuir, de modo significativo, na formação de profissionais competentes no domínio do saber, do saber-fazer e do saber ser junto aos outros, abrindo possibilidades para uma convivência enriquecedora, de trocas salutares, inteligentes que contribuam para o crescimento das pessoas e das organizações.
Cabe, também, um chamamento aos estudantes da academia. É importante lembrar-lhes que cada escolha implica numa renúncia. E a escolha por ser um profissional que fará a diferença no mercado de trabalho, implica em empreender esforço próprio, não ficar à espera de que milagres aconteçam, tampouco “pegar carona” na vida dos outros, na dependência eterna da famigerada “cola”, ou pedindo para que acrescentem seu nome ao trabalho do qual sequer conhece o conteúdo. Dignidade, respeito pessoal e profissional se constrói desde o início da formação. Luft (2004, p. 107) defende uma tese interessante: “Acredito que viver é elaborar e criar: são inevitáveis as fatalidades, doença e morte. O resto - que é todo o vasto interior e exterior – eu mesma construo. Sou dona do meu destino. É mais cômodo queixar-se da sorte em lugar de rever minhas escolhas e melhorar meus projetos”.
É comum alguns estudantes encontrarem inúmeras justificativas para não fazerem bem feito aquilo que deles se exige. Essa postura, em nada lhes acrescenta. Os profissionais excelentes, aqueles que se destacam e são um referencial na sociedade, não se construíram assim por acaso ou por influência de qualquer traço de herança genética. Mas porque lutaram contra seu próprio desânimo, enfrentaram seus medos, construíram crença na sua capacidade, no poder divino que habita em seu interior e foram à luta, sem poupar-se, sem terem pena de si mesmos. Nesse sentido, é oportuno trazer presente o alerta de Luft (ibidem, p. 39) que vem reforçar essa reflexão: “Não é só culpa dos outros se ficamos truncados. Em cada estágio podemos colorir algum traço, algum ponto, alguma cor no projeto de quem pretendemos ser”.
Eis, pois, o importante desafio que se põe diante de educadores, de acadêmicos e da universidade, como um todo: empreender todos os esforços e reunir o máximo de entusiasmo, de desejo interior para saber mais, fazer melhor e trabalhar para fazer aflorar todas as potencialidades do ser, educando-se e colaborando na educação dos outros, para que todos se formem profissionais capazes de fazer a diferença, tornando-se necessários, imprescindíveis onde quer que atuem.

Bibliografia
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir.
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
LUFT, Lya. Perdas e ganhos. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
ZABALA, Antoni. Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

2 comentários:

  1. Cara professora Marisa,
    Parabéns pelo seu trabalho. É estimulante, para nós professores universitários que queremos construir novas condições de ensino-aprendizagem, uma visão moderna dessas relações. A Universidade,no seu todo e na sua missão têm que se redirecionar para atingir metas exigidas pela complexa sociedade pós-moderna. En fim, excelente trabalho. Gostaria dse tê-la em nossa Universdidade Regional do Cariri - URCA, na Cidade do Crato - Ceará.

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  2. Obrigada pelo estímulo que suas palavras suscitaram em mim, Francisco!Sou uma educadora apaixonada pela formação humana, pelo desenvolvimento de competências, habilidades, atitudes e valaroes que contribuam para formar profissionais desses que tanto necessitamos nas instituições de nossa sociedade. Fiquei feliz com sua visita ao meu blog e com este comentário motivador. Se desejar trocar ideias e artigos de temática relevante, meu e-mail é criversil@pucrs.br e quem me dera que pudesse ir trabalhar em sua cidade, nesse estado maravilhoso!Lindo seria...

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